O grande recitator

di Antonio de Curtis

Nini Santoro, o maior recitador
que encanta a mais exigente plateia,
o rei do music-hall, o grande actor,
faz hoje no Trianon a sua estreia.

Ao passar pelo cartaz, quem o lia
pensava: é um artista-sensaçäo.
Há este grande actor e ninguém sabia!
Hoje näo faltarei a tal sessäo.

O teatro cheio de luz que nem um sol,
e mais que de luz, de gente se encheu:
Nini ao som da marcha triunfal,
parecendo que diz: «Aqui estou eu!

Agora é que väo ver quem é Santoro,
o maior recitador da actualidade,
que quando abre a boca lhe sai ouro,
e ouro de primeira qualidade.»

Traz cartola, monóculo e boquilha
de marfim e meio metro de comprida;
com um cândido lenço no bolsinho
do belo fraque de seda azul marinho.

O público ansioso esperava:
«O que sairá da boca deste mago?»
Mas näo saiu nada... Balbuciava,
fazia caretas, cada vez mais gago.

Näo acabou nem a primeira estrofe
da poesia que ainda começou,
quando um atrás de mim: «Basta, Santoro!»
E um tomate à cara lhe atirou.

Foi o primeiro sinal de batalha,
e para haver mortos pouco faltou:
os assobios pareciam metralha,
e Santoro por ali se ficou.

O grande artista logo arrumou
as botas no meio desta algazarra geral,
Guardando lenço, boquilha e cartola,
disse: «Enganei-me... Tem algum mal?».

Há trinta anos foi que este Santoro,
o maior recitador da actualidade,
viu assim acabada a sua carreira
para benefício da humanidade.

Ontem vinha escrito no jornal
que tinha ido parar à prisäo
certo famigerado marginal,
conhecido e perigoso ladräo.»

Quem era o desgraçado da notícia?
Santoro... o recitador falhado,
agora só famoso para a polícia
que a fama foi ganhá-la noutro palco.

Näo mais ouviu a marcha da Aida,
os aplausos para sempre se calaram,
e para comer só teve uma saída:
fazer do roubo a sua nova arte.

* * *

Penso que foi nos tempos que ele errou:
há trinta anos tudo era diferente.
Hoje o nosso gosto tanto mudou
que Santoro seria excelente.

traduzione di
José Calaço Barreiros