Branquinhadi Antonio de Curtis
 
Num beco esconso é a minha casita:  
umas águas-furtadas no sexto andar  
e no Veräo, em mangas de camisa  
meio charuto ponho-me a fumar  
e apanho na varanda um pouco de ar.  
 
Mal tinham dado as nove desta noite,  
como de costume estava a fumar,  
quando oiço um ruído nas minhas costas,  
um fru-fru, um leve rumorejar.  
Volto-me de repente: «Quem vem lá?»  
 
Ponho-me à espreita e vejo no escuro  
parada, muito quietinha a guardar  
na velha parede um pequeno furo,  
Branquinha, a alegria do meu lar.  
Mas no escuro näo vi o que se passava.  
 
E de facto näo me tinha enganado:  
dentro do buraco estava um ratinho  
de olhos a saltar, todo assustado,  
meio morto de terror, o pobrezinho  
devia pensar: desta é que eu näo escapo.  
 
De repente o rato falou assim  
com voz de enternecer o coraçäo:  
«Branquinha, o que tens tu contra mim?  
Deixa-me, só te peço compaixäo!»  
E disse a gata: «Eu daqui näo saio!»  
 
«Piedade, piedade! Que mal te fiz?»  
E para mim se virou: «Ó meu senhor,  
diga ao seu gato que me deixe sair!  
Salve-me a minha vida, por favor!»  
«Está bem, está bem. Branquinha, deixa-o lá!»  
 
«Meu dono, torne lá para donde veio,  
e näo se meta onde näo é chamado.  
O ratinho, de facto näo é feio.  
Mas sou gata, e dele vou dar cabo.  
Senäo, o que estou eu a fazer cá?  
 
«Está bem» respondi com hesitaçäo,  
«resolvam entre vocês a questäo,  
mas näo quero barulho nem confusäo.  
Lembrem-se que sou eu aqui o paträo  
e que se respeita a hospitalidade.»  
 
«Näo vale a pena ficares escondido»,  
disse-lhe a gata. «É o teu fim...  
se te crês salvo, estás muito iludido,  
porque näo te vais ver livre de mim...  
Estou decidida e daqui näo saio!» 
 
«Tem piedade de mim, Branquinha bela!»  
chorava o bicho, tremendo-lhe a voz,  
que me fazia arrepiar a pele.  
Pobre ratinho, que destino atroz,  
sem esperança de se poder salvar!  
 
«Por esta vez perdoa, deixa lá,  
ora deixa escapar esse ratinho.  
O que estás a fazer é uma maldade,  
seres brutal com quem é mais pequenino.  
Näo te ensinei que isso näo é moral?»  
 
«Desde que é mundo que o mundo é assim:  
o peixe grande come o pequenino  
(disse a gata virando-se para mim).  
Eu também perdi o meu filhinho  
apanhado nas garras de um mastim.»  
 
«O que tenho eu a ver com essa fera?  
Meu menino Jesus, näo posso mais!  
Também tenho uma mäe à minha espera.  
Quero voltar depressa à minha casa;  
a minha mäe morre se eu näo chegar!»  
 
O ratinho já via à frente a morte  
e de pranto gemia e soluçava,  
o coraçäo batia-lhe bem forte,  
e com o medo todo se borrava.  
Volto-me e digo à gata: «Deixa-o lá!»  
 
Disse-me a gata com um grande riso:  
«E se depois ao chegar à cozinha  
for dar com o queijo todo roído,  
quem o atura, näo é a Branquinha?  
É o meu dever... Para isso estou cá.»  
 
No fundo tinha razäo a Branquinha:  
se lá estava era só por este facto;  
digamos a verdade, eu näo a tinha  
se näo tivesse em casa tantos ratos...  
Encolhi os ombros e fui-me deitar. 
traduzione di  José Calaço Barreiros
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